Rota das Sedas - sentimentos misturados

(by Mr. Budget)

O restaurante é recente, inaugurado no Verão de 2011. O edifício onde está instalado é antigo, e o Rota das Sedas tira proveito dessa antiguidade. Há conceito e muita atenção a todos os pormenores, agora resta saber se serão pormenores a mais, Miss Blue.

Logo a abrir pedimos duas imperiais e a resposta foi: oooh, a máquina de imperial está com um problema. Tudo bem, venham duas Heinekens. Os restantes comensais pediram um Hendricks e três martinis. Se lhe disser que esperámos 15 minutos para que estas bebidas chegassem, não estarei a exagerar para além de um minuto ou dois. Foi aí que começámos a conjecturar sobre a possível confusão do barman entre pepinos e courgettes. Segundo alguns presentes o pepino curva para a esquerda. Mas avante. Primeiro sintoma de conceito a mais: os empregados tinham um uniforme a puxar pelo exotismo e pareciam cossacos à espera de uma oportunidade para começarem a andar à roda. Na verdade foram prestáveis a arrumar a mesa para quem chegou de improviso até perfazermos 9, com um à cabeceira, e também mudaram sem problemas a localização de um cogumelo hotspot que estava a queimar a careca de um amigo.

Com tantas entradas à escolha, eu e esse amigo, fomos os únicos a não resistir. E lá veio ela. Uma empada de rabo de boi. Algumas pessoas na mesa torceram o nariz e tive de lhes explicar que se trata de uma carne muito saborosa agarrada à cauda do boi e não um esfíncter para mascar. Antes de dizer “blergh” fique a saber que existem cerca de 50 esfíncteres no corpo humano. A íris por exemplo, que controla a entrada da luz nos seus olhos, é um esfíncter. A empada era mais pequena que muitas das que se encontram em pastelarias, mas o sabor fruto do lento guisado estava tão bom como a textura que se deixava desfiar. Como a seda. A acompanhar vieram folhas de chicória e uns cubos roxos (no seu meio Blue diriam grenás) que pareciam beterraba, mas na realidade eram pedaços de pêra bêbada que abriram o apetite para mais.
















Não sei se por causa do velho jingle do anúncio Brasa -“cevada, chicória e centeio é a sua composição...” - mas a conversa a partir daí foi envolta num polme de nostalgia sobre cama de um grupo de amigos que se conheceu em Massamá. Como me senti sem assunto no meio de histórias que envolviam antigos namoros, antigos swings, amigos desaparecidos e a idade de rebentos vários, virei-me para outro meandro, precisamente o vinho que alguém tinha pedido. O óptimo Douro de Vale Meão sossegou-me em conjunto com um queijo do couvert que finalmente tinha aparecido. Penso que seria de Niza. Entretanto o restaurante foi enchendo com senhoras e senhores com cabelos nos olhos e gestos ligeiramente afectados, espécimes que costumam ser avistados na vila de Cascais. Foi um contraponto curioso para a conversa de Massamá. E eis que surge outro sintoma de conceito a mais: na casa de banho, mesmo por cima da sanita, focos de luz de várias cores intermitiam-se onde não eram chamados. Seria para passar a ideia de ecletismo? O resultado era uma discoteca privada sem sentido. Qualquer que fosse a ideia, é parva.

O espaço onde jantámos era o melhor sem dúvida, um terraço decorado em tons de brancos e verdes, por cima de um jardim que deve ser muito convidativo no Verão. Viradas para a Rua da Escola Politécnica estão 3 outras salas que ainda me lembro de terem desenhos de personagens Disney nas janelas. Isto porque entre 1913 e 2003 funcionou aqui uma escola primária. O edifício no seu todo, com uma fachada de cerca de 110 metros, era a Real Fábrica das Sedas que funcionou entre meados do século XVIII e do século XIX. O projecto é daquele arquitecto que dá vontade de ouvir tango, Carlos Mardel, também autor das vizinhas Mãe d’Água e do Chafariz do Largo do Rato. Será isto importante? Para mim sim, Miss Blue, eu sou um rapaz nado e criado no Largo do Rato. E eis que chegou o meu prato, um Tamboril confit em aroma de noz com risoto de espargos, compota de tomate e poejos. Sinceramente não senti o tomate nem o poejo, e o risoto estava empapado em demasia, mas no geral gostei, especialmente depois de lhe ter despejado meio moinho de pimenta por cima.
















Fiquei curioso com o polvo em 3 texturas: sonho, grelhado e carpacio com migas de grelos e feijão. Experimentei a raia em noisete, puré de batata e legumes salteados em azeite de ervas. O sabor a grelhado estava muito bom. O hambúrguer de picanha trazia uma gema a baixa temperatura que parecia mesmo uma physalis e também me soube bem, apesar de custar quase 19 euros. Se formos analisar os preços, um a um, caímos em desgraça e provavelmente nunca iremos voltar. A não ser ao almoço. De terça a sexta há um Menu Gaspar, em homenagem a esse grande retentor de impostos que inclui entrada, prato principal e sobremesa por €13. No final a conta deu €40 euros a cada um, sendo que três Meandros resultaram em €81 e quatro gins custaram €48, o que nos relembra que é no álcool que está o ganho. Todas as entradas tinham o valor de €8 e uma das comensais jantou nesta categoria umas Amêijoas à Bulhão Pato. Estará aqui talvez a única opção low cost ao jantar. Existe um Menu Degustação Rota do Mundo que custa €84 para duas pessoas que não pareceria exagerado se incluísse vinho. Não houve sobremesas, mas a sericaia fica bem na lista e a sopa de frutos vermelhos preenche os requisitos de sobremesa da moda. Pormenores aleatórios que lhe podem interessar: o café trazia um mini-brigadeiro a acompanhar (que quase ninguém comeu) e os guardanapos têm monograma.

Só para amuse esprit, resta-me dizer que a razão de uma certa população no Rota das Sedas se deverá à dona, decoradora do espaço e também responsável pelas sobremesas. Chama-se Teresa Arriaga e é uma profissional das decorações públicas que tem o restaurante do Hotel Altis Belém (de onde trouxe o chef António Amorim) e um casamento com Santana Lopes no currículo.

Enfim, Miss Blue, à magna carta ao jantar, em versão buffet ao almoço e com brunch até às cinco da tarde ao Domingo, o Rota das Sedas, é um restaurante pouco budget que deixa mixed feelings, mas a explorar, de preferência com menos pormenores e (nunca pensei escrever isto) mais Massamá.


















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Nota: Num grupo de 9 adultos cuja vida está prestes a começar (aos 40) que incluía profissionais da ilustração, edição, escrita, televisão e ainda uma maestrina de coros, a quantidade de conversas de variação anal, entre pepinos, sanitas de discoteca e o espectáculo Lugar às Novas no bar Finalmente, foi tão inesperada como divertida. E aqui lembro-me da expressão freudiana que os americanos gostam muito – anal retentivo – para descrever alguém com tendência para ser literal, que insiste demasiado no mais ínfimo detalhe. E tudo se encaixa.