O Barbas

(by Mr. Budget)

Como sabe Miss Blue, uma boa bifana numa má roulotte é algo que até faz parte do meu currículo, mas nem por isso passei para o estádio seguinte, ou seja, comer bifanas todos os domingos como eupéptico para um jogo de futebol visto in loco. Contam-se pelas mãos de vaca que quase comi (repare como inseri sub-repticiamente uma referência à famosa mão de Vata) as vezes que fui ao estádio da Luz. Faça as contas e descobrirá que raramente misturei “bola” e comida. Sou um benfiquista com o entusiasmo de uma codorniz, mas equilibro com vários amigos que sofrem daquela doença congénita que consiste em ter os ventrículos em forma de águia real. Posto isto, e já que estamos em fase de admitir falhas no nosso comederum vitae, vou falar-lhe de um sítio onde fui recente levado por um amigo, onde realmente me deixei levar e, no final, acabei por sentir que não fui levado.

Para mim O Barbas sempre foi aquele restaurante dos fanáticos do Benfica, numa barraquinha de praia localizada algures entre o areal e os blocos de apartamentos da Costa da Caparica. Até que fui lá.

O Barbas, o homem, aproveitou o programa CostaPolis, projecto que implica um investimento directo de 85 milhões de euros (as coisas que descobrimos on-line) para remodelar grande parte da orla costeira da Costa da Caparica, e mudou de uma barraca duvidosa para aquilo que os especialistas em orlas costeiras chamam de apoios de praia. A mudança deu-se em Janeiro de 2009, o projecto tem a assinatura do atelier Pardal Monteiro e, a fazer companhia ao Barbas estão outros 21 apoios de praia iguaizinhos, um calçadão com 3 quilómetros e uma frente de mar cheia de surfistas. Certo é que um só espaço se revelou insuficiente e o Barbas cresceu até três apoios, o Barbas Catedral, onde comemos, o Barbas Tertúlia e o Barbas Clube de Praia. A barraquinha inicial levava 350 lugares, os apoios levam 150 pessoas cada um e muita da velha parafernália de fotos e objectos encarnados.

Sentámo-nos na esplanada, com vidro, madeira e maresia à nossa volta. Apesar de uma sugestão de um robalo grelhado, pedimos uma entrada de amêijoas à Bulhão Pato e meia dose de caldeirada para dividir. Enquanto as ondas chegavam à zona de rebentação da Praia do CDS, a 50 metros da nossa mesa, desaguou em dois copos um jarro de sangria de champanhe. Era suave, a espuma quase que se mastigava e a hortelã, manga, papaia e kiwi, mastigavam-se mesmo. Quanto às amêijoas chegaram escuras e saborosas, nada daquelas vietnamitesices deslavadas com sabor a papel de arroz. Estava eu com a minha máquina fotográfica na mão e surge uma jovem mulher, com um colete do Barbas e diz-nos “Uma fotografia sem compromisso?” O meu amigo respondeu prontamente “estamos clandestinos” e assim resolveu-se uma quase troca comercial que não via acontecer desde uma longínqua ida à Cervejaria Trindade em que a minha cara de puto foi parar a uma carteira de fósforos.

Diz o Nuno Gomes, que a caldeirada do Barbas é a melhor do mundo e eu não vou discordar com alguém que faz anúncios para o McDonald’s. A chegada da caldeira aconteceu após o fim-de-semana em que o Benfica passou para a dianteira do campeonato português. Sabe a importância que isto tem? Muita, mesmo muita. O Barbas está na cozinha e as doses já de si generosas tornam-se pantagruélicas. Um dos empregados garante-nos “não vê ninguém na frente dele, está como peixe na água.” Na água não, parecia que todo um ecossistema encabeçado pelo predador traineira tinha sido transladado para a nossa travessa. Foi de tal maneira que no final do desafio gastronómico ainda nos deram um saco com duas caixas de alumínio e capacidade para alimentar quatro comensais numa outra refeição. Doses à parte, na caldeirada encontrei tamboril, safio e uma raia muito saborosa. Talvez pusesse mais coentros e algum picante, mas na altura nem me lembrei de pedir. A humidade relativa do prato estava perfeita, nem fora de pé nem demasiado chã, com o vinho branco e a acidez do tomate em perfeito equilíbrio.
Finda a nossa capacidade de ingerir mar em estado sólido e já no segundo jarro de sangria, entregámo-nos ao embalo do sol de Inverno e à auto-congratulação por termos ido almoçar ao Barbas numa insuspeita segunda-feira. “Um dia igual a outro dia, é o mesmo dia” comentou o meu amigo. Depois abriu caminho a um paradoxo bem português e disse que tínhamos de voltar brevemente.

Miss Blue, este é o relato. Agora vá formosa e segura, até porque a gloriosa meia dose de caldeirada custa €16.00 e as amêijoas renderam-se por €13.00.

O Barbas

Nota de pé em riste
Esqueci-me de lhe fazer uma pergunta, Miss Blue, sabe quem é a pessoa por trás das barbas? António Ramos começou por ter restaurante onde sempre foi costume ver o plantel do Benfica e acabou por se tornar num símbolo. Enquanto sócio do Benfica é vitalício e vai a todos, mesmo todos, os jogos da equipa principal de futebol. Por onde passa fica a pagar cotas, sendo igualmente sócio do Belenenses, do Atlético, do Trafaria e do Pescadores da Caparica, onde chegou a ser dirigente. O truque do Barbas, não sei se será tanto a maneira como liga os condimentos na caldeirada, mas será mais o entusiasmo com que tempera as suas relações, seja com o Benfica, com a Costa ou com os seus clientes.

Nota de punho no ar
O nome Praia CDS, vim a saber depois, deve-se a uma inscrição pintada no pontão nos anos 80 que dizia "Praia do CDS, comunas não”. CDS é muito blue, mas "Praia Comunas" faria mais sentido, não acha?

Nota de obturador
A foto bonita pertence ao atelier Pardal Monteiro.