Olivier Restaurante - Não és tu, sou eu

(by Mr. Budget)

Cara Miss Blue, poucos dias antes de um certo chef empresário - que alimenta as bocas do povo – passar a alimentar jornais, fui visitar pela primeira vez a sua casa de restauração mais estabelecida, o Olivier Café. Com certeza que ouviu a notícia, exagerada como habitual, da sua prisão por causa das festas com DJ numa outra casa que possui, o Guilty. Apesar do nome do restaurante, o restaurateur (como gosta de ser chamado) foi absolvido do crime de desobediência. Avante, ou melhor, recuante. Descobri o Olivier quando os seus pratos ainda tinham apenas uma morada, ali no Bairro Alto, corria o ano de 2002, a moeda única dava os primeiros passos, as únicas crises de que se falavam envolviam rins e o nosso chef introduzia na restauração uma inovação muito atenciosa para quem gosta de desbravar sabores, o menu de degustação.

Livro de Reservas do Olivier Restaurante













Lembro-me de ir duas ou três vezes à Rua do Teixeira, uma delas até com os meus pais que surpreendentemente gostaram da experiência, o advérbio deve-se ao facto de 9 em cada 10 vezes eles comentarem em voz alta, nos próprios restaurantes, que em casa se come muito melhor. Na altura também eu me surpreendi, com a quantidade de comida, sem ceder às doses curtas das novas vagas, com o sorbet de limão a separar sabores antes do macio magret de pato, com a boa selecção de vinhos e com a simpatia do chef nos comentários que trazia até às mesas. O restaurante tornou-se num dos maiores sucessos lisboetas, as reservas tornaram-se indispensáveis e um amigo que eu e a Miss Blue partilhamos foi lá que cruzou o olhar com a Giselle Bundchen, nunca mais tendo lavado os olhos desde então.

Entretanto o Olivier Bairro Alto fechou e no seu lugar abriu o 100 Maneiras, a Cervejaria Alemã da Rua do Alecrim fechou e foi aí que abriu o Olivier Café, agora simplesmente chamado de Olivier Restaurante. Olivier, o homem-restaurateur, abriu ainda o Olivier Avenida, o Guilty e o Yakuza.

Desculpe-me a entrada tão longa, mas esta é uma história para degustar, até porque passaram quase dez anos desde a minha última incursão no antigo Olivier.
Ficámos na saleta da entrada à espera de mesa e ofereceram-nos a proverbial bebida de aperitivo. Dois martinis, bem servidos em copos de whisky, depois, sentámo-nos numa sala confortável, com tectos baixos e generosidade no capitoné. Como a ideia era deliciar-nos, pedimos dois menus de degustação, com o cuidado de dizer que um deles não podia ter pratos de carne. Foram nove entradas, umas quentes, outras frias e um prato principal.

Surgiram uns palitos com tomate cherry e cubos de queijo feta, muito banais. Chegaram uns crepes de inspiração asiática – denominados nems – com um bom crocante e nada mais. Apareceram folhados de queijo de cabra com mel e nozes, entrada que provavelmente se transformou na solução “sofisticada” mais comum para receber amigos em casa. Comi, friamente, o rosbife em rolinhos com molho de atum e maçã. A solução vegetariana veio na forma de rúcula, alface e feta, provavelmente a salada “sofisticada” mais comum para receber amigos em casa. O paté de foie gras com cebola confitada, estava muito guloso, acompanhado com pequenas tostas. Linguini com molho de parmesão e trufas laminadas foi a opção ao fígado de ganso. Depois chegou a alheira enrolada em couve com ovo de codorniz por cima. Estava bom apesar da couve estar um pouco mais dura que o razoável. A alternativa não carnívora foi um carpaccio de salmão que não merecia a subida árdua de qualquer animal rio acima. A sopa de tomate, servida num copo de martini com muita pimenta pouco moída, foi uma boa surpresa, até porque parecia ser um gaspacho e afinal era quente e reconfortante.

Depois do sorbet de limão, chegou o magret de pato, saboroso no seu equilíbrio com o vinho do porto, mas não tão memorável como o puré de trufas. O outro prato foi vieiras com camarão que, apesar da textura e frescura certas, vinham acompanhadas por um arroz velho que parecia saído duma cantina de universidade.

Após a cascata de Martini inicial, optámos pelo vinho a copo e aceitámos a sugestão do Evel tinto que nos acompanhou juntamente com a água “Olivier” e a música ambiente. No final ficámos sem apetite para sobremesas e para a conta, mas acabámos por pedir a segunda. Cada menu custou 39,5 Euros que veio com outras parcelas por cima, uma delas inusitada.

- Desculpe, mas a água que nos serviram destas garrafas de vidro que dizem Olivier, não é da torneira?
- Não, não é. É água que passa por um sistema complicado.
- Mas não é água da torneira antes de entrar no sistema?
- Pois, é um sistema que eu não consigo explicar muito bem...

É simples Miss Blue, cobraram-nos 3 euros por uma complicada água da torneira.

Em resumo, a regra “em equipa que ganha não se mexe” até se pode aplicar à restauração (ver Brasserie de L’Entrecôte), mas actualmente lidamos diariamente com Gordon Ramsay, Anthony Bourdain, Jamie Oliver, Masterchefs e canais inteiramente dedicados à culinária, os menus de degustação multiplicaram-se, não há loja que não tenha um canto gourmet e os comensais portugueses provaram muitos novos sabores. Há uma nova exigência e uma outra realidade que diz isto: há 10 anos, no Olivier, pagava-se €30/pax por um magnífico jantar de degustação, hoje, no Restaurante, paga-se €45/pax por um anacronismo.

O Olivier Restaurante teve os seus filhos mas, ao contrário da Giselle, não conseguiu manter a figura, perdeu o interesse, vive assente na glória passada e deixa um final de boca que nada tem a ver com gula, mas sim com preguiça.* Olivier, caro restaurateur, quanto a este crime, o veredicto é “culpado”.

* Preguiça patente até numa das música escolhidas para o ambiente – Smooth operator – esse grande hit de 1985.