(by Mr. Budget)
Nada de confusões. Quem nunca ouviu falar até pode achar que esta “Vila” se trata de mais uma vivenda com piscina onde os ingleses perdem as filhas e o latim perdeu um “l”. Mas não, Vila Lisa é uma preciosidade gastronómica que existe há 31 anos, ali pertinho de Lagos, na Mexilhoeira Grande, debaixo da batuta de pau de José Vila, o cozinheiro, e de Joaquim Lisa o sócio e amigo.
Atrás de muitas recomendações chegámos com a reserva inevitável. O melhor é ligar já, Miss Blue – 282 968 478 – até porque esta adega só abre no Verão. Ah e um aviso aos comensais de água doce, aqui não há sumos, colas, gelados nem grelhados. Há vinho ou água, lisa.
Dos seis convivas que ficam para esta história a mais acérrima fã da cozinha de Lisa estava numa dieta forçada a debater-se com os efeitos de dinoflagelados venenosos encontrados numas amêijoas de Porto Covo, um dia antes. Confesso que a baixa nos deixou coxos, até porque outra das comensais não comia carne. Sentámo-nos no pátio entre a sala do rés-do-chão e a sala do primeiro andar. A separar-nos dos elementos e do céu estrelado somente um toldo e um aquecedor cogumelo. A única mesa já tinha 5 pessoas e somos forçados a alguma conquista de espaço nos bancos corridos. Caso se fume, aqui é o único sítio permitido.
As entradas começam a salpicar a mesa. Ovos com tomate (tomatada), requeijão com morcela, batata cozida temperada com alho, orégãos e azeite. Pequenos jarros de vinho branco dançam à nossa volta, rapidamente trocados por novos e cheios ali à nossa frente a partir de garrafões com o nome, pouco exposto, do produtor: Gouxa, de Alpiarça, provavelmente o único produto da casa não algarvio.
Depois chegam duas grandes tigelas com Ensopado de Cação, magnificamente temperado e com um escoamento (forma como o liquido escoa) fora do normal. Eu sei que a viscosidade dos líquidos não é um tema típico para crítica gastronómica, mas a sensação gustativa é indissociável das texturas. A nossa envenenada de serviço disse-nos que habitualmente este primeiro prato é o Xarém de lingueirão ou conquilha.
Logo a seguir chega-nos Pernil com molho de fricassé. Fez-me lembrar a versão que o meu pai por vezes cozinha, mas que lhe dá um nome que a Miss Blue, antiga aluna do Deutsche Schule Lissabon, deve reconhecer - eisbein – a palavra alemã para "perna gelada" e que remonta à tradição de se fumar o joelho do porco e depois congelá-lo no porão das casas. Ambos se desfazem na boca, contrariando outra tradição mais recente e infeliz, de vários amigos que têm desfeito joelhos ainda nas próprias pernas seja a dançar ou a jogar à bola. Já a conviva vegetariana foi brindada com Sardinhas fritas acompanhadas de mais favas que cebolada. Logo de seguida chega mais um reconforto chamado Caldo de grão com Rabo de boi e hortelã.
Quando a felicidade imperava, a mesa era só nossa e parecia que já não surgiriam surpresas de grande monta (adoro esta expressão, Miss Blue) chega mais uma compensação não-carnívora: Abrótea arrepiada. O nome vem da preparação, o peixe é amanhado no sentido do rabo para a cabeça. Depois ata-se o rabo com um fio e fica pendurado de cabeça para baixo de um dia para o outro.
Quando Lisa traz este petisco vem acompanhado do comentário “é um prato de grande finura”. Bastou provar o arroz regado com azeite e limão para ficar a concordar e levantar fervura sobre o segredo vilalisiano (à vista de todos): a qualidade da matéria-prima e a simplicidade da confecção. Este é o requinte absoluto e custa apenas 35 euros por cabeça, preço único com vinho incluído.
O pão folar chegou litúrgico para nos lembrar que estávamos em fim-de-semana de Páscoa, e os bolos de figo com amêndoas chegaram para nos lembrar que nem tudo daquela forma é almôndega. O café foi servido de um púcaro de metal para copos de vidro e duas garrafas de abafado e aguardente foram abandonadas na nossa mesa.
Pagámos sem qualquer dor (com excepção da gastroentrite porto-covense da nossa amiga) junto à cozinha e do livro “Coisas da Terra e do mar”, uma ode de José Vila aos sabores da cozinha Algarvia que vou tentar recitar na minha cozinha.
O Vila Lisa abre aos fins-de-semana em Junho, Setembro e quando o rei faz anos. No Verão abre todos os dias. Aceita euros, em papel.
Já reservou, Miss Blue?