Bistro 100 Maneiras

O comensal é tão provador que chega a aprovar o que antes desaprovou.

Cansam-me as modas que se sobrepõem ao essencial. Por que raio é que agora todo o restaurante que nasce, nasce Bistrô? Fui informar-me e não há nenhum actor de telenovelas com esse nome, portanto sinto-me confuso. Avante. Há muitas maneiras de esfolar um gato, mil e uma maneiras de cozinhar bacalhau e só uma maneira de entrar neste 100 maneiras: pela entrada. E aquela que escolhemos para dividir por dois, deliciou-nos até aparecerem as bebidas, demasiado demoradas. Burek jugoslavo, decore este nome, Miss Blue, massa folhada mais fina e estaladiça que a pele que cai no fim do Verão, molho de iogurte por cima, duas lanças de cebolinho cruzadas qual escudo de armas otomano, queijo fresco quase Ricota com espinafres no interior, servido numa travessa a lembrar as antigas cataplanas de latão. Simplesmente maravilhoso e sobretudo maravilhosamente simples. O passado do chef sérvio Ljubomir Stanisic, numa padaria em Belgrado, deve ajudar a explicar o equilíbrio desta entrada. Ao que parece os bureks possuem, histórica e culturalmente, a mesma portabilidade e versatilidade das pizas, sendo populares essencialmente em países que fizeram parte do antigo império otomano. De Constantinopla para os confins do califado os bureks chegam finalmente ao Chiado. Enquanto a entrada tinha muitas, o menu só tinha uma folha. Em cima, uma clara piada: Hoje não há caracóis. O próprio Ljubomir contou-nos que a piada roda conforme lhe apetece – hoje não há pipis, hoje não há moelas... – já o menu roda de 3 em 3 meses.
O Lybra, vinho segunda escolha, juntou-se a nós depois de sabermos que o Ensaios Filipa Pato tinha esgotado na noite anterior. Este Syrah da Quinta do Monte d’Oiro, é um vinho equilibrado que preencheu muito bem as bochechas, tanto as minhas como as de porco preto que me foram servidas. Este prato, em conjunto com um risoto de cogumelos com camarão tigre, são os únicos presentes no Top 100, pratos de sucesso com um preço mais acessível. As bochechas vinham a dominar um puré e cogumelos shiitake onde se sentia uma apurada redução de vinho do Porto. As vieiras na chapa, muito frescas e macias, vinham igualmente com espargos e um acompanhamento que não ficou na memória.

Bistro 100 Maneiras

Praticamente em frente à entrada de artistas do Teatro da Trindade, este Bistro 100 Maneiras mantém os painéis Art Déco da fachada e outros pormenores do antigo locatário, Bachus, um restaurante que nunca visitei mas que tinha reaberto em Março de 2009 enquanto restaurante de luxo. E é logo aqui que começam as contradições. A definição escorreita de bistrô é “restaurante ou bar pequeno e simples, porém muito aconchegante. Serve bebidas alcoólicas, café e também comidas simples a preços acessíveis.” Ljubomir Stanisic não é de modas e terá afirmado à Time Out que o seu Bistro não tem acento e é a palavra jugoslava para “claramente” e “limpo”, características da sua cozinha. Há também quem diga que bistrô tem origem na ocupação russa de Paris em 1815, quando os cossacos pediam para serem servidos rapidamente gritando a palavra “bistro!” ou seja “rápido!”.

Bistrô, bistro ou brysto, a ideia é ser informal de uma maneira formal, até porque, etimologias à parte, se soa franciú, soa a finesse. Irritem um sofisticado e ele atira logo um “merde”. Ljubomir contou-nos que a ideia é ser como uma tasca que não serve coisas de tasca e que por isso é normal o menu ter nódoas de gordura. “É mesmo assim!” Só que uma tasca que herda e redecora o espaço de um ex-restaurante de luxo, que tem o trio loiça /copos /cutelaria a cargo da Vista Alegre Atlantis, em que é difícil pedir um vinho por menos de €19, que disponibiliza uma Barca Velha por €600 e que pede €6 por 20 cubinhos de fruta “exótica” e meio maracujá, não deixa de confundir um comensal desprevenido. Miss Blue, isto não é low cost food em lado nenhum. Peça os pratos do Top 100 e não beba vinho e talvez não seja caro, mas nunca barato.
Comemos no andar de cima, tecto baixo, ambiente descontraído, música groovy a sair das colunas, garrafeira convidativa em vidro ao fundo, um painel fotográfico a preto e branco com um medley de imagens de Lisboa. Os lugares junto à janela, em nichos serão seguramente melhores que a nossa mesa solta no meio da sala. Lá em baixo, num longo balcão, metade da sala parecia estar à espera que a outra metade se levantasse.

A nossa empregada, loira, de cabelo curto, era a típica Bond girl que o espião seduz e depois mata. Uma outra que passou por nós, tinha uma pin-up tatuada na barriga da perna que descobri enquanto servia duas sessentonas em êxtase que chamaram insistentemente empregados, empregadas, ajudantes de cozinha e o próprio chef que meteu conversa connosco da maneira informal como suge uma nódoa de gordura. Em suma, o Bistro 100 Maneiras é um poço de contradições, e é precisamente pela harmonia entre elas, que desdramatizo os €67,40 finais e lhe reconheço uma personalidade a descobrir, em várias visitas.

Art Déco

Numa entrevista, o otomano da cozinha disse o seguinte: “Putesco” para mim é algo que não é claro, que assume características totalmente opostas mas que, na sua oposição encontram um lugar comum e uma harmonia. Nesta entrevista, em momento nenhum referi a ligação que faço entre a cozinha e sexo. Entre a semelhança que o paladar e o aroma me provocam que só é comparável ao êxtase sexual. Daí a expressão! (in fórum NovaCrítica-vinho)

O que lhe peço, Miss Blue, é para transmitir uma sugestão de baptismo e posicionamento. Quando visitar o Bistro, diga só isto: 100 Maneiras Putescas.