Sucre

(by Miss Blue)

Casa conhecida e simpática, bastante despretensiosa e com um sofá branco fofo de entrada e boa provisão de revistas para quem, de forma pouco cavalheiresca, é obrigada a esperar aproximadamente 40 minutos pela companhia para jantar.
Vinho a copo, tinto, Quinta do Cabriz, perfeitamente normal, para acompanhar a Volta ao Mundo e a Wallpaper e que depois se transformou em garrafa para acompanhar toda a refeição. Bom.
Sentados na sala que lembra vagamente uma cantina – mérito das mesas alinhadas para os grupos que lá vão com frequência – com cadeiras brancas pouco confortáveis quando a refeição se alonga, recebemos “mimos do sucre” – verrine de creme de ervilhas espesso e cremoso, maquilhada com pimenta preta. Bonito à vista, sensaborão ao paladar.
Além disso, “strudel de bacalhau”, acabado de sair do frigorífico, de sabor descaracterizado pelo frio e textura desagradável.
Comi uma belíssima “pie” de beringela, courgette e queijo da ilha, que soube lindamente por me transportar para ambientes anglo-saxónicos mais civilizados. Além disso, o formato de tarte é-me estimulante: tenho sempre medo de encontrar um rim lá dentro, o que felizmente nunca acontece.
As sobremesas “pecado do sucre”, 4 amostras do que a casa serve, vinham com muito bom ar, num prato quadrado, mas era a única coisa que traziam. Manga cortada, sorvete de manga (??) - como manga duas vezes no que se supõe ser um leque de sabores? – verrine de café e morango – tão ou mais desinteressante que os famigerados semi-frios de churrasqueira – e um pequeno cheesecake de qualquer coisa merengada, com merengue rijo e velho e massa com toneladas de manteiga e bolacha.
Serviço agradável, fora a insistência habitual para escolher “antes que a cozinha feche”, que é, provavelmente, a coisa mais irritante que pode acontecer num restaurante – será que o cozinheiro planeia a sua vida social como um funcionário público, ao minuto 33?, apesar de não terem protestado pelo atraso responsável pela mesa vazia durante algum tempo. Como disse no início, simpático. E mais nada.

(by Mr Budget)

Logo no primeiro passo gostei da minha estreia sucriana, em parte devido à cumplicidade do tal sofá e das tais revistas na redução da minha pena. Também, convenhamos, o crime de meia horita de atraso não é de grande monta. Ainda por cima a zona de espera, reminiscente dos cafés Magnólia, tinha vários livros prontos a devorar (exclusivos da Assírio e Alvim).

Miss Blue, já embalada pela Quinta de Cabriz, deu o mote vinícola que acompanhei e começámos pela milionésima segunda receita de bacalhau inventada (certificada pelo Instituto Português das Receitas de Bacalhau), desta vez germanizado em strudel. Um bom (e tradicional) pastel de bacalhau acabado de fazer faria muito melhor figura. A sua empada de beringela aparentava a consistência perfeita e o meu Supremo Brick Folhado de Frango com Crucente estava quase tão sangue azul como o próprio nome. Valeu principalmente por ter travado conhecimento com a massa “brick”.

A observação do espaço e as perguntas certas, ensinaram-me que por baixo de nós se localizava a mercearia “gourmet” aberta durante o dia, que uma decoração moderna também comporta um quadro visual composto por um grelha-moscas e 3 prateleiras Ikea a suportar garrafas de vidro vazias, que duas empregadas para aquele espaço poderá ser pouco e que a nossa experiência gastronómica teve o epíteto de “cozinha contemporânea mediterrânica”. Ou seja, uma das poucas obras de arte do momento que ainda não pertence à colecção Berardo.

Um prato e respectivo título muito contemporâneos; uma sobremesa multidisciplinar como agora se usa; a associação à mercearia e ao gourmet; e livros e revistas a fazerem companhia, como fica bem. Tudo conjugado para resultar num restaurante do seu tempo. Pena que aqueles que desejam acima de tudo, reflectir “aquilo que se faz agora” são os primeiros a ficarem datados, ou pior, condenados a nunca terem uma alma própria.

No último passo, cruzando a saída, senti que, tal como comigo, havia ali um atraso temporal.