Restaurante Praia da Adraga:

(by Miss Blue)

Mr Budget, Mr Budget. Já sabemos que estamos em crise e que o IVA vai aumentar, mas esta sua recusa em sair para exercer a sua arte (e aquilo para que foi criado) começa a tornar-se maçadora. Não sabe que o esparguete que faz em casa não conta como experiência gastronómica? Pior, não percebe que não se pode escrever sobre ele? Vamos lá a sacudir as teias de aranha da carteira, agarrar no pequeno bólide e fazer um dos caminhos mais bonitos de Lisboa: ir até à Malveira da Serra e continuar a subir para entrar naquele místico capacete de nuvens onde o azul e dourado do guincho se perdem a favor de cheiros verdes de floresta e do mistério inconfundível de Sintra. Na senda do caminho encantado, atravesse Almoçageme e chegue à Praia da Adraga, linda e selvagem e quase sempre vazia de Inverno, fora os pescadores locais e os escuteiros que teimam em ir fazer fogueiras para lá, a fingir que são grandes exploradores da natureza ao invés de betinhos com as meias subidas. (Ninguém no seu perfeito juízo usa jarreteiras. Ninguém.) Encare estes elementos como pitorescos e entre no restaurante (a única construção alem dos balneários públicos à antiga). É um sítio feio que se farta. Tem uma óptima esplanada, também feia que se farta, com vista para o parque de estacionamento - se por acaso ficar sentado na cadeira errada. Os empregados são lentos e facciosos, daqueles que passam o Sôtor e Dr. Engenheiro à frente de toda a gente. Sem vergonha nenhuma. Tenho a teoria que eles têm alguém num posto de observação escondido com vista para o parque e atendem de acordo com a cilindrada do carro em que se chega. Bom. Tanta insolência e fealdade têm de ser compensadas. E o drama é que são. É por isso que vamos lá, uma e outra vez, ser tratados de forma totalmente indiferente. Porque o que vem para a mesa (em travessas medonhas de alumínio) é muito bom. Estes senhores fazem a melhor sopa de peixe que já comi na vida, cheia de peixe fresco e picante, com pão frito (não há conceito “torrado” por ali, felizmente) e hortelã. Perfeita para aquecer depois de atravessar a serra cinzenta. Têm várias entradas: queijo fresco fresquíssimo em todas as mesas e as unanimemente pedidas amêijoas com camarão, que são simplesmente amêijoas fritas com camarão, num molho inacreditável que foi feito para ser limpo da travessa com pão. Também há muitos peixes frescos e mariscos, mas o bacalhau assado com batatas a murro e azeite quente de alho é aquele prato quente e reconfortante que nos manda ir dormir a sesta à praia. As sobremesas são óptimas e algumas chegam a ser originais; tive uma óptima surpresa com um merengue de morangos fresquíssimo - uma vez que os vários pudins ricos de ovos e laranja e a famosa mousse de chocolate já tinham ido para as barrigas dos dôtores que chegaram mais tarde. Enfim. Os vinhos são aceitáveis, mas caros, como parece ser hábito em todos os restaurantes de praia, de decidem tornar os brancos e verdes num produto de joalharia. A si, Mr Budget, recomendo a versão barata do restaurante e o meu guilty pleasure de Verão: entre no bar onde os pescadores estão sentados, peça a sopa de peixe, um queijo fresco e qualquer um dos maravilhosos salgados, saboreie tudo em paz sem que ninguém lhe passe à frente, pague um décimo do preço e vá para a praia vazia ler a tarde sem pressas. Já provou o melhor que a Adraga tem para dar.

tacky wedding shoot two
tacky wedding shoot one (by Mr. Budget)

Miss Blue, confesso que só aos 34 anos de idade descobri a Praia da Adraga e com ela o restaurante da praia, se juntar a isto o facto de frequentar a Ericeira há cerca de 20 anos, calculo que me esteja garantido, quase sem recurso, o título de pária piscícola. A culpa não é minha, a sério, e como soube que ela é solteira, havemos de combinar um jantar para tirar isto a limpo. O meu percurso de pequeno bólide não passou pela Malveira da Serra, até porque se a ideia era fazer um desvio tão grande para apreciar capacetes de nuvens preferia passar pelo Monte Canigou. Ou até, e porque o tema nos vai levar a peixe grelhado, o Monte Vesúvio, ou, quem sabe, aquela rocha na Austrália que recuperou recentemente o nome aborígene de Uluru. Trajectórias à parte, aconteceu há cerca de mês e meio, o dia estava indeciso mas ainda me aventurei em ir à água gelar os pés. Quanto à mesa não tive a sorte de agarrá-la cá fora ao pé dos pescadores e troquei a vista do parque de estacionamento pela vista para a praia. Éramos 4 comensais e um robalo do mar deu para encher as medidas sem encher o bandulho, isto logo a seguir às amêijoas, as mais pequenas que comi este ano, mas também das mais saborosas.
Tudo muito bom, tirando realmente a decoração, pouco verdadeira no espírito pesqueiro. Na parede à minha frente tinha uma bóia com duas canas de pesca cruzadas e uma fotografia a preto e branco de uma criança. Como não queria vir-me embora com aquela espinha de dúvida na garganta perguntei ao empregado quem era o fotografado – É o fundador da casa? - Não, é um dos filhos do dono. - E os outros irmãos não se chateiam? - Ai! Eles andam sempre às turras, mas o outro filho tem uma fotografia no bar. E pronto, dividem-se os irmãos pelas áreas e os peixes pelos pratos, simples conceito para um restaurante de praia.

Mas voltando ao meu lugar, da janela vi uma sessão fotográfica de casamento, daquelas que já ninguém acredita que ainda se façam (ver fotos). No fim veio uma sericaia que caiu bem e várias frutas que levantaram o moral para ir a Sintra comer um travesseiro.

Uma certeza ficou, Miss Blue, tenho de voltar este Inverno com o meu pequeno bólide, estacionar em plena esplanada e comer a “tal” sopa de peixe.

www.restaurantedaadraga.com/