Do Mar

(by Miss Blue)
Gosto muito de restaurantes e adoro jantar fora. Principalmente porque, para grande tristeza de quem normalmente me acompanha, gosto de experimentar. Claro que são experiências dentro do que considero aceitável – sem carne, sem gordura, sem ensopados, guisados, estufados ou cozidos – mas ainda assim, são experiências. Por isso, também estou muito habituada a dar especificações do que quero e como quero. Não estou, obviamente a falar de cozinha de autor. Seria bem divertido chegar ao pé do Ferran Adriá e dizer “mas sem a espuma de batata crocante com redução de vinagre de maçã”. Falo de restaurantes normais, com comida normal, onde se vai, por exemplo, num Sábado, por exemplo, ao pé do mar, por exemplo, porque apetece mesmo comer um peixe grelhado em companhia mais sofisticada que os carros da avenida do Cataplana em Setúbal. Por isso, vai-se ao Meco, experimentar mais ou menos contra-vontade um novo sítio, que parece provinciano armado ao design, mas, ainda assim, vai-se. E comete-se um grande erro. Porque imperam as famílias e as mulheres magras de t-shirts brancas e cigarretes beges, com aquelas malas da Burberry que parecem sacos do pão, com cardigans em malha por cima, com mocassins nos pés e enjoo no ar, acompanhadas por homens de idade indefinida que pode girar entre os 25 e os 50 anos, com cabelo farto e penteado para o lado, com óculos maiores que a cara e com claros problemas de retenção anal. Uma vez que são esses os habitantes das mesas em redor, aceita-se o drama de se estar deslocado e tenta-se fingir que não passa nada. Mas é mentira. Passa-se muita coisa. Na carta, não há um único peixe grelhado. Há risotto vegetariano, há açordas e arrozes e há uma indicação de peixe grelhado do dia a €45/kg que me parece de muito mau-gosto. Depois há as sugestões orais, que são ainda mais confusas, com nomes de peixes que não lembram a Neptuno. Lá se reconhece robalo e lá se nos é apresentado um peixe com 700 grs. Mas será que o mundo enlouqueceu??? Quem é que come um robalo de 700 grs? O empregado insiste, porém, em não reconhecer a legitimidade da objecção e recomenda então cantaril à lagareiro. (pequeno aparte: eu ODEIO cantaril. O meu pai tem a mania de pôr cantaril na caldeirada e eu tenho uma imensa trabalheira em passá-lo para o prato da minha irmã ou para a barriga do gato sem que ninguém se dê conta.) O cantaril é recusado 3 vezes e 4 vezes é insistido que se coma cantaril. “Não. É muito frito, está afogado em azeite.” “Perdão, minha querida amiga (!!!), não é frito, é no forno.” “Desculpe, qual é a parte de AZEITE e AFOGADO que não percebeu? Quero polvo grelhado. Ponto.” E tive polvo grelhado. Um polvo inteiro, que assustou a esplanada ao aparecer dramaticamente carbonizado, com as perninhas enroladas, quase vítima do World Trade Center. Um casal pretensiosamente queque chamou o empregado para dar os parabéns pelo pobre cantaril, em voz alta, para que dúvidas não restassem – quem não aceita as sugestões do empregado não merece ir a restaurantes caros e pretensiosos, comer 3 pernas de polvo a sentir um nojo profundo, não merece estar entre a classe média que se refastela num snobismo gratuito, não merece, realmente, ir a sítios onde se “aprecie” cantaril. Só fiquei surpreendida com o facto de não ter sido linchada em público e exibida à entrada espetada num pau, para mostrar que, quem não percebe nada de fingir que percebe muito, sobre tudo, está fora.